Não chega! Os direitos humanos num mundo desigual

Há uma profunda sensação de incompletude relativamente aos direitos humanos. É, aliás, difícil fugir à aporia dos direitos humanos do mundo dos nossos dias.

Este artigo empresta o título do interessantíssimo livro de Samuel Moyn, Not Enough – Human Rights in an Unequal World, que reflete, com perturbante ceticismo, sobre a força normativa dos direitos humanos como motor contra as desigualdades sociais. Segundo Moyn, os direitos humanos encontram-se aprisionados na ideia de “suficiência”, não sendo uma força motriz da igualdade real entre as pessoas. Ao se afastarem da conceção do “Estado-providência” (welfare state), os direitos humanos tornaram-se uma mera utopia.

Ainda que não acompanhe integralmente as críticas tecidas neste livro, em especial a diabolização do “neoliberalismo” ou do “fundamentalismo do mercado” como os únicos culpados da situação atual dos direitos humanos, a verdade é que não há como negar as suas premissas essenciais: (a) tantas vezes, os direitos humanos são mais retóricos do que realidade; (b) os direitos humanos são perspetivados numa lógica de menor denominador comum, ou, dizendo por outras palavras, de uma feição muito pouco ambiciosa.

Olhada a questão mais de próximo, a máscara da igualdade é diáfana e desfaz-se a cada instante perante a crueza da realidade. Com efeito, a recente pandemia, além de ter afetado os níveis de qualidade da democracia de um número significativo de estados, veio ainda exacerbar as desigualdades sociais existentes (ou latentes), em especial quanto aos direitos à saúde e à habitação. Concomitantemente, a situação dos refugiados e migrantes continua a gerar muita discórdia em termos de gestão política e parece lembrar o dilema do mais básico “direito a ter direitos”, que a filósofa Hannah Arendt denunciara, há sete décadas, quanto às situações de apatridia.

Esta dissonância chocante entre a retórica dos direitos e a realidade da sua implantação ameaça seriamente a idoneidade moral e a probidade dos direitos humanos. Há uma profunda sensação de incompletude relativamente aos direitos humanos. É, aliás, difícil fugir à aporia dos direitos humanos do mundo dos nossos dias. Se, por um lado, proliferam tratados e acordos de direitos humanos, ratificados e assinados pela esmagadora maioria dos países do mundo, por outro lado, a efetiva implementação desses direitos deixa muito a desejar, não diminuindo drasticamente as situações de pobreza extrema e de exclusão social.

O que se oculta debaixo do contraditório argumento circular segundo o qual necessitamos de avultados recursos económico-financeiros para implementar os direitos humanos, mas depois concluímos que, tantas vezes, os fundos disponíveis não foram bem geridos ou que, no limite, se verificaram situações de corrupção e desvio de fundos? Como se justifica esta desconexão gritante entre o que está escrito e a vivência (ou a ausência de vida) desses mesmos direitos humanos?

Creio que haverá inúmeras explicações para este fenómeno. Desde logo, a retórica dos direitos humanos é apelativa e pode ser facilmente instrumentalizada por líderes de estados não democráticos para aparentar uma saúde democrática que, na realidade, não existe. No fundo, explora-se a conotação positiva atribuída ao mero facto de esses estados serem signatários de tratados de direitos humanos ou de consagrarem catálogos de direitos fundamentais nas suas constituições, sem que, no entanto, exista uma genuína vontade de os respeitar e implementar. Em paralelo, há ainda muitas insuficiências quanto à monitorização da implementação dos direitos humanos em geral, se bem que esse fenómeno seja mais evidente quanto aos direitos sociais em particular.

Importa reforçar a ideia de a defesa dos direitos humanos não se esgotar na sua mera positivação em tratados internacionais ou nas constituições dos respetivos estados. Estes são, sem qualquer dúvida, marcos importantes. No entanto, de nada servem sem a concomitante ação político-legislativa e executiva, ou sem uma exigente monitorização dos tribunais e da sociedade civil. Dito de outra forma, trata-se, no fundo, de uma responsabilidade partilhada. Para concluir, regressamos ao pensamento de Moyn e ao seu sibilino conselho: “Human rights will return to their defensible importance only as soon as humanity saves itself from its low ambition.” Que saibamos, pois, almejar a nada menos do que à proficiência na promoção dos direitos de todos e de cada um!

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